quinta-feira, 30 de setembro de 2010

ICMS Ecológico e RPPN : incentivos à preservação




Muitas vezes somos levados a pensar que no Brasil não há incentivos à preservação de nossos recursos naturais. De fato ainda estamos engatinhando em relação a muitos países, porém existem alguns mecanismos que, talvez por serem pouco divulgados, acabam nos levando a pensar que só há incentivos para os que destroem as matas, poluem as águas, etc.

O principal imbróglio a resolver é que quando há degradação ambiental, poucos são beneficiados. Um pequeno grupo lucra com a atividade predatória, seja ela qual for, enquanto toda a sociedade paga um alto preço por isso. É a política "terra arrasada", tão conhecida até hoje na Amazônia e que arrasou, em outros tempos, nossa Mata-Atlântica e muitas outras áreas. Um pequeno grupo de madeireiros e agricultores se beneficia financeiramente, deixando um rastro de destruição, pobreza, a população desamparada e sem acesso à água ou terra de qualidade. É um sistema em que a maioria perde. Principalmente as próximas gerações.

Talvez o excesso de burocracia também contribua para que muitos não se encorajem a legalmente preservar o meio-ambiente (e até serem remunerados por isso). A verdade é que - ainda bem - são previsto em lei alguns mecanismos incentivadores da preservação ambiental. Ainda que tímidos e não implantados em todo o território nacional, acho interessante comentá-los para fomentar o debate e incentivar mais pessoas a utilizá-los.


ICMS Ecológico

Não se trata propriamente de um novo imposto, mas sim do remanejamento de um já existente - o conhecido Imposto sobre Circulação de Produtos e Serviços (ICMS), principal fonte de renda dos Estados da federação. Segundo LOUREIRO (2008), "o ICMS Ecológico é um instrumento que aproveita a oportunidade criada pelo federalismo fiscal brasileiro, qual seja o do repasse de recursos financeiros a entes federados, sem que a instituição que recebe tais recursos perca sua autonomia político-administrativa. Essa oportunidade se ancora no disposto no inciso II, do artigo 158 da Constituição Federal, que define aos Estados poder de legislar sobre até ¼ do percentual a que os municípios têm direito de receber do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços(ICMS)."

O primeiro Estado da federação a implantar o ICMS Ecológico foi o Paraná, em 1991. Hoje, mais de uma dezena de Estados brasileiros utiliza o mecanismo com maior ou menor intensidade (e muitos ainda discutem sua implantação), envolvendo o repasse de, aproximadamente, R$ 600 milhões/ano para os municípios que abrigam Unidades de Conservação ou se beneficiam com outros critérios ambientais. A inicitiva paranaense iniciou-se devido ao "engessamento" que muito municípios sofriam, por estarem localizados dentro de grandes áreas protegidas. A introdução do conceito protetor-beneficiário, como forma de modernização das políticas ambientais, veio de encontro com tal impasse, beneficiando a todos.

São inegáveis os serviços ambientais (supostamente "gratuitos") que a natureza presta a toda a sociedade, mas demorou-se muito para que isto fosse percebido. Na economia convencional (vigente na cabeça de muitas pessoas até hoje), a natureza servia-se apenas como fonte de recursos (que pensavam-se inesgotáveis) e depositária de resíduos. Com a grave situação mundial que vivemos, percebe-se que a capacidade da natureza de repor estas matérias-primas e de absorver todos os resíduos é extremamente limitada. Então, por quê não pagar pelos serviços que a floresta presta quando intacta, inexplorada, preservada? Aí que reside o princípio do "protetor-beneficiário", diferente do "poluidor-pagador" - também válido, porém mais punitivo e que só é aplicado após a degradação ter sido feita. Introduz-se o mecanismo da prevenção, o qual até em nossa saúde pessoal é a melhor decisão a tomar, pois economiza-se com gastos futuros na cura dos problemas já causados. Prevenindo-se a destruição da natureza, garante-se qualidade de vida às futuras gerações (e até as atuais).

O ICMS Ecológico pode ser repassado aos municípios tanto nos casos de proteção à biodiversidade quanto aos mananciais de abastecimento de água. Dentre os casos contemplados, inclui-se Unidades de Conservação, Áreas de Terras Indígenas, Faxinais, Áreas de Preservação Permanente e Reserva Florestal Legal. É inegável a necessidade de parceria do Estado com os municípios e destes com os proprietários de terras particulares passíveis de serem Unidades de Conservação, na modalidade RPPN (Reservas Particulares do Patrimônio Natural). Isso faz com que toda a sociedade seja envolvida, pois não são apenas as reservas federais, estaduais e municipais que contam. Incentiva-se o proprietário rural a ser "produtor de água" ou "protetor da biodiversidade", o que traz resultados positivos até mesmo em sua produção rural local. No próximo tópico comentaremos um pouco sobre as RPPNs.

A boa conservação da biodiversidade aumenta o repasse. Através de critérios de cálculos qualitativos, o repasse de ICMS Ecológico aumenta quanto mais preservada estiver a Unidade de Conservação. É como se a área beneficiada aumentasse quanto mais conservada estiver. Tais avaliações periódicas devem ser feitas pela autoridade ambiental local, que no caso do Paraná é o IAP (Instituto Ambiental do Paraná), em São Paulo é a CETESB, etc. Tal incentivo fez com que entre 1992 e 2000, no Paraná, houvesse um incremento de 1.894,94 por cento em superfície de das unidades de conservação municipais, de 681,03 por cento nas unidades de conservação estaduais, 30,50 por cento nas unidades de conservação federais e terras indígenas e de 100 por cento em relação as RPPN estaduais. Houve ainda melhoria na qualidade da conservação dos parques municipais, estaduais e das RPPNs, segundo LOUREIRO. É uma prova de que este sistema funciona e não onera o estado, pois apenas remaneja recursos já previstos.

Iniciativas semelhantes já ocorrem em São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rondônia e outros estados brasileiros.

RPPN
A Reserva Particular do Patrimônio Natural é uma figura prevista no inciso VII, do art. 14 da Lei Federal n.º 9.985/00, Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), do Grupo de Unidades de Uso Sustentável, que, a grosso modo, incentiva a iniciativa voluntária de proprietários rurais ou urbanos na preservação ambiental.

Propondo vantagens como a isenção de imposto sobre a propriedade (ITR ou IPTU), desde que seus recursos naturais estejam intactos, bem preservados, até a possibilidade de beneficiarem-se do ICMS Ecológico, o mecanismo da RPPN permite aumentar as Unidades de Conservação sem que o Estado tenha os ônus com desapropriações, investimentos, etc. Claro que cabe ao Poder Público a fiscalização do cumprimento das metas de conservação e plano de manejo em tais áreas - fundamentais à titulação delas como RPPN.

Não deve-se buscar apenas as vantagens econômicas nesta iniciativa particular. Claro que elas são grandes incentivadoras e deveriam ser ampliadas. Mas conta-se muito com a conscientização e o associativismo dos proprietários rurais, visando inclusive melhorar e garantir seu abastecimento de água e suas terras férteis ad aeternun, através da preservação das florestas, as quais formam verdadeiros "corredores ecológicos" integrando a fauna e a flora (daí o papel do Estado como incentivador, planejador e fiscalizador, ao congregar diferentes proprietários dentro do preservacionismo ambiental). Não podemos mencionar também o valor da paisagem cênica, tanto para o turismo quanto para a cultura local. Este aspecto é pouquíssimo valorizado no Brasil – um dos países que seguramente possui as mais belas paisagens do Planeta. O mecanismo da RPPN é fantástico sob todos estes pontos de vista e em Estados como Paraná e São Paulo aumenta cada vez mais a adesão a ele.

A titulação da reserva florestal como RPPN é perpétua, demonstrando o caráter de legar essas áreas às próximas gerações. Existem casos - como a RPPN administrada pela ONG SPVS em Guaraqueçaba (PR) - em que aportes financeiros da iniciativa privada permitem que atividades de pesquisa, fiscalização, monitoramento, educação ambiental, turismo rural, etc. integrem-se à RPPN, gerando empregos e tornando-a útil e melhor conservada durante todo o tempo. São modelos a serem copiados e ampliados. Todo o planeta e toda a sociedade ganham com isso.

Para que mecanismos como os dois descritos acima ampliem sua abrangência ainda há um longo caminho a percorrermos. Os Estados precisam diminuir a burocracia e aumentar a eficiência em credenciarem essas áreas, bem como fazerem melhor divulgação para que a população e as empresas SAIBAM que podem ganhar, sendo parceiros da preservação ambiental. É um bom começo e torcemos para que estes caminhos se abram cada vez mais, pois punir os agentes após a destruição ter-se consumado é necessário, mas não é a única solução. Prevenir ainda é o melhor remédio!


FONTES: LOUREIRO, Wilson ICMS Ecológico, uma experiência brasileiro de pagamento por serviços ambientais - SOS Mata Atlântica/The Nature Conservancy - Belo Horizonte, 2008

LOUREIRO, Wilson ICMS Ecológico - A consolidação de uma experiência brasileira de incentivo a Conservação da Biodiversidade , Disponível em http://ambientes.ambientebrasil.com.br/unidades_de_conservacao/artigos_ucs/icms_ecologico_-_a_consolidacao_de_uma_experiencia_brasileira_de_incentivo_a_conservacao_da_biodiversidade.html

ESTATUTO ESTADUAL DE APOIO À CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE EM TERRAS PRIVADAS NO ESTADO DO PARANÁ

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Vivemos um grave crise de percepção




O pouco que eu sei sobre o que o cientista Fritjof Capra denominou uma "Crise de Percepção" que, segundo ele, o mundo atual vive, percebo que aqui no Brasil está mais que exacerbado do que nunca.

Vivemos uma gravíssima crise ambiental e a percepção do povo brasileiro (refletido em seu irresponsável governo) é que nada demais acontece. Inclusive toma-se decisões exatamente na direção contrária.

Alguns podem achar que é excesso de pessimismo do autor deste blog (que inclusive ficou um tempo sem escrever aqui tamanho o baixo índice de melhora que se vê na área de preservação ambiental no Brasil).

Como eu sempre digo, temos muito pouco o que comemorar. Vamos voltar um pouco desde o início do ano. Tivemos os desmoronamentos de encostas devido às gravíssimas chuvas no sudeste em janeiro, conforme vimos em São Luís do Paraitinga(SP) e Angra dos Reis(RJ). Em junho as chuvas atingiram o nordeste do país, deixando mais de 40 mil desabrigados. O mais interessante é que tal volume de chuvas ocorreu em uma região notoriamente seca, mesmo sendo na ironicamente denominada "zona da mata". Ironicamente porque mata não mais existe ali e atribui-se cabalmente a submersão das cidades ao desmatamento ao longo de rios e morros nestes 500 anos de Brasil. O ciclo da cana-de-açúcar do Brasil colonial acabou e deixou este rastro de destruição. Que falta que faz a floresta nativa e ninguém percebe isso!

Agora neste "inverno" de agosto, as temperaturas em todo o Brasil estão acima da média (só para situramos, hoje faz cerca de 30 graus em Curitiba, cidade que era denominada a "capital mais fria do Brasil") e as florestas brasileiras dramaticamente queimam de norte a sul. O estado campeão da motosserra, Mato Grosso, deve se orgulhar também que é primeiro lugar em queimadas. Junto com ele, Pará, Acre, Rondônia, Tocantins e muitos outros estão em chamas. Nem mesmo com os problemas respiratórios das pessoas fazem com que elas percebem a falta que as florestas preservadas fazem! Será que nem mesmo com uma cidade quase inteira destruída pelo fogo em Mato Grosso (Marcelândia) vai fazer a população acordar para a preservação ambiental? Não é apenas a falta de comida que mata! E a falta de água também será uma das conseqüências deste verdadeiro ataque à nossa natureza.

E os ruralistas devem estar comemorando (aliás, estes incêndios estão longe de terem características de "causas naturais" - o que eles terão a dizer?), depois de aprovarem em comissão do congresso o assassinato do Código Florestal, afrouxando suas leis e anistiando quem destruiu até hoje. Uma reforma "tiro no pé", pois sem água, terra e ar de qualidade em breve produtor rural nenhum conseguirá plantar.

Estas entidades agropecuárias, junto com alguns políticos inescrupulosos como Aldo Rebelo, fazem de tudo para distorcer a realidade, aumentando ainda mais esta "crise de percepção". Eles tentam levar a população a pensar que nós, ambientalistas, somos contra o desenvolvimento, somos pagos por "organizações internacionais" (quem me dera) para atrasar o desenvolvimento do Brasil, etc. É um profusão de inverdades que beiram o ridículo, pois provas científicas de que o planeta não agüenta mais tamanho abuso não faltam! Os recursos naturais são finitos e a capacidade de reposição planetária há muito se esgotou, portanto preservar é fundamental à nossa sobrevivência.

Da mesma forma os "desenvolvimentistas" instalados em Brasilia nos empurram usinas hidrelétricas totalmente desnecessárias, que inundarão imensas áreas da Floresta Amazônica e nem gerarão quantidade suficiente de megawatts durante todo o ano, como é o caso de Belo Monte (além do que, com o desmatamento intenso a tendência é que a vazão dos rios diminua mesmo). Fazem tudo sem licitação e sem consultar as populações locais - as mais atingidas. Agem como nos governos militares, ignorando o fato de que um mosaico de energias renováveis poderia ser instalado por toda parte, utilizando recursos abundantes como resíduos, vento, sol, etc. Os investimentos seriam menores e o meio-ambiente seria poupado. Novamente vemos a crise da percepção, pois nossos políticos não têm a capacidade de enxergar que o mundo mudou, as tecnologias mudaram, que há alternativas viáveis e sustentáveis. Querem continuar fazendo tudo da mesma forma que sempre fizeram!

A crise da percepção se dá também na forma do povo enxergar seus dirigentes. Não conseguem ver que estão sendo enganados por este partido que está aí - não só na área ambiental - e que estamos caminhando a passos largos para uma ditadura de partido único, com grave ameaça à liberdade de imprensa. Um povo sem imprensa é um povo sem voz. Como reivindicaremos melhorias na saúde, na educação e no meio-ambiente, se nem mesmo dentro desta crise estupenda que vivemos conseguimos? Ainda temos a imprensa para nos informarmos. Sem ela só saberemos o que acontece diante das tragédias. E mesmo com elas, para muitos é difícil perceber...

Na propaganda governamental vivemos um país quase perfeito e sem problemas. Estas mentiras, repetidas milhares de vezes, tornam-se verdades aos olhos do povo.

Como fazer o povo perceber o que acontece diante de seus narizes??

domingo, 27 de junho de 2010

O fundamental cuidado com os Recursos Hídricos




Já passou da hora de cuidarmos melhor dos recursos hídricos de nosso Planeta.
Á água, bem fundamental à vida na Terra, que já fora considerada, num passado não muito distante, como bem livre e amplamente disponível, é cada vez mais considerada um bem escasso, raro, e que começa a ter valor econômico. Ela deveria, de fato, ser muito mais valorizada do que é atualmente, tanto pelas pessoas quanto por governos. Podemos entender a água como o "sangue da terra", sendo que seu estado demonstra a saúde de nosso planeta. E todos sabem que vivemos em um planeta doente.

Vamos a um rápido panorama da disponibilidade deste recurso essencial em nosso planeta. Sabe-se que o maior volume de água disponível(97,5%) está nos oceanos e mares e é salgada. A dessalinização da água do mar, é sabido, ainda é um processo caro e, por isso, geralmente inviável. Nas calotas polares e em regiões subterrâneas de difícil acesso encontramos outros 2,49% da água doce. Infelizmente a exploração dessas águas gera altos custos, não existindo, muitas vezes, tecnologias adequadas para tanto. Resta, então, pouca água que pode ser realmente utilizada para potabilidade: apenas 0,007% de água doce do planeta está presente em rios, lagos e na atmosfera, sendo de fácil acesso para a captação e consumo. Da água doce tecnicamente “disponível” para as pessoas usarem, apenas uma proporção minúscula (0,4%) é encontrada na superfície da Terra, em lagos, rios, zonas úmidas, no solo, na umidade do ar, em plantas e animais. O restante da água “disponível” (30,1%) está em aqüíferos e ainda sabemos muito pouco sobre esses recursos, por estarem em áreas de difícil acesso para estudo e exploração.

Através destes dados acima, conclui-se facilmente que um dos principais problemas concernentes à água é sua distribuição, além, é claro, de sua contaminação pelo homem. O pouco de água acessível para uso nós estamos poluindo. Tal poluição está intimamente ligada com a indisponibilidade do recurso. É isto que leva quase 1 bilhão de pessoas em diversas partes do mundo a estarem atualmente sem acesso à água em quantidade e/ou qualidade minimamente necessárias à sobrevivência. Da mesma forma que a distribuição dos alimentos é desigual entre os diversos povos da Terra, situação semelhante ocorre com a água.

O Brasil orgulha-se de ostentar o título de detentor de entre 12% e 18% da água doce mundial. No entanto, 72% desta água está na Amazônia, região distante dos grandes centros urbanos. Além disso, é preciso desmistificar estas afirmações sobre abundância, tão comuns por aqui. O brasileiro sempre foi levado a achar que temos infinitas matas, rios, etc. Mas este pensamento acabou com a mata-atlântica, da qual restam menos de 7% ainda em pé, em mais de 500 anos de exploração excessiva. E com isto, milhares de espécies animais e vegetais sumiram sem sequer serem estudadas. Este mesmo pensamento está levando a Floresta Amazônica para o mesmo caminho, devido à ânsia dos ruralistas em "expandir a fronteira agrícola brasileira" a qualquer custo. Até quando eles vão conseguir plantar, sendo que profundas alterações climáticas já estão em curso no mundo todo, alterando ciclos hidrológicos, prejudicando a terra, etc.? É comprovado que, se chegar a menos de 30% da cobertura original, a Floresta Amazônica não mais se sustentará, entrará num ciclo irreversível de savanização, com queima rápida e incontrolável da floresta, pois a própria massa vegetal é o que mantém as condições ideais de umidade e a temperatura (e, por conseguinte, também os rios) necessárias à sobrevivência da floresta. Já presenciamos uma imensa seca em diversos rios amazônicos no ano de 2005. Isto pode ser um prenúncio de algo pior que pode estar por vir.. Mesmo assim, as leis ambientais não se aplicam no Brasil e nosso governo faz todos os esforços para construir imensas usinas hidrelétricas (ações típicas dos governos militares dos anos 70), que inundarão áreas gigantescas, mudando curso de importantes rios, eliminando populações tradicionais e levando mais hordas de aventureiros para pilhar a floresta em busca de dinheiro fácil e deixando um rastro de miséria e destruição por onde passam. Um ciclo que vem desde os anos 70 e que provou ser insustentável tanto economicamente quanto ecologicamente.

Não se pensa em um planejamento econômico-ecológico, estudando-se as vocações de cada área, bem como um planejamento energético que leve em conta um mix de energias renováveis (solar, eólica, etc.), bioenergias (à base de resíduos vegetais, industriais e urbanos), com gerações localizadas, sem necessidade de grandes e dispendiosas obras em locais distantes dos grandes centros consumidores. Poder-se-ia suprir as necessidades energéticas do país limpando-se nossos aterros sanitários e nossos rios ainda por cima, mas isto é assunto para um outro artigo, focado no tema energético.

Voltando à questão hídrica, é notório que, junto com a destruição das matas, vão-se as águas. As florestas têm papel importante como produtoras e/ou conservadoras dos recursos hídricos. A grande densidade das folhagens evita que as chuvas carreguem detritos que assoreiam os rios (e que os próprios pingos "cavem" as margens), reduzindo a velocidade com que as águas chegam ao solo, mantendo, também, a constância da velocidade dos rios. Rios assoreados, com margens desmatadas e grande volume de detritos alcançam imensas velocidades no fluxo das águas, causando tragédias como a que estamos presenciando no Nordeste nestes dias. A zona da mata nordestina era antiga área de mata-atlântica, desmatada desde o Brasil colonial. Chuvas acima da média (em uma região geralmente seca) aliadas à grandes áreas sem nenhuma cobertura vegetal fizeram as águas carregarem tudo o que existia em seu caminho. Não é a primeira tragédia deste tipo no Brasil e infelizmente não será a última. Já vimos, recentemente, inundações gigantescas em Santa Catarina, em São Paulo, no Rio de Janeiro. E as causas são, em geral, as mesmas : desmatamento, mudança de uso e/ou impermeabilização do solo, mudanças climáticas que aumentam a intensidade das chuvas (causadas também pelo homem, devido à poluição atmosférica), etc.

Regulamentações para proteger o meio-ambiente (e em específico as águas) não faltam. O Brasil promulgou em 1997 a Lei 9433, estabelecendo a Política Nacional de Recursos Hídricos que, junto com as Leis Ambientais, dariam, ao menos no papel, toda a proteção necessária a rios, lagos, etc. Muitos instrumentos valiosos, como a outorga (autorização para captação de determinada quantidade de água ou mesmo para o despejo controlado de dejetos), ainda são pouco utilizados. A cobrança pelo uso da água, prevista na Lei, foi até hoje muito pouco usada. Praticamente apenas as bacias do rio Paraíba do Sul (em SP, RJ e MG) e a do Piracicaba, Jundiaí, Capivari (SP, MG) fazem uso, ainda tímido, deste instrumento. Esta lei prevê que os recursos provenientes da cobrança - que por sinal é irrisória - sejam aplicadas na própria bacia hidrográfica, em investimentos visando protegê-la, melhorá-la ambientalmente. De certa forma, na bacia do Paraíba do Sul, estações de tratamento de esgoto têm sido instaladas, como na cidade de São José dos Campos(SP), por exemplo. É um caminho que deve ser seguido por todos. Vale ressaltar que, na Alemanha, a cobrança pelo uso da água gerou uma onda de investimentos particulares (principalmente industriais) em controle de poluição nos últimos 30 anos que promoveu a limpeza e a devolução da vida a diversos rios já considerados mortos. Esta ação até liberou diversas empresas do pagamento da taxa sobre a água. Isso demonstra que tal "taxa" não deve ter o caráter punitivo de diversos impostos. Ela tem um caráter educativo e reformador. Da mesma forma, seu destino (de ser investida na própria bacia hidrográfica) deve ser respeitada, tomando-se o cuidado de não ocorrer algo muito comum aqui no Brasil: que a taxa vá parar em um "caixa único", tendo suas funções desviadas e deixando-a á mercê da corrupção ou do mera função de cobrir outras despesas governamentais.

De qualquer forma, quem preserva as florestas deve ser recompensado por isso. Deve haver pagamento por "serviços ambientais". Ainda não existe um grande mercado para os bens e serviços ambientais que sirva para determinar o seu valor. Por exemplo, não existe mercado para os serviços intangíveis que a floresta produz (beleza cênica, conservação da biodiversidade, regulação da produção de água, etc). Então como determinar seu valor? Criar soluções alternativas que permitam incorporar o seu valor nas análises econômicas. Algumas iniciativas começam a ser feitas, como programa "Produtores de Água", do governo de São Paulo, que vai remunerar produtores rurais que conservem a mata ciliar, as florestas nas nascentes, etc. É um começo e isso deve ser expandido. Premiar ao invés de punir. Este é o melhor caminho, por engajar toda a sociedade.

Na contramão de tudo isso, os deputados, apoiados pelos ruralistas e por alguns veículos de mídia, tentam desmantelar o Código Florestal, inclusive diminuindo exigências de preservação de mata ciliar (em volta dos rios). Parecem não enxergar todas as tragédias que já aconteceram e continuam acontecendo justamente pela falta que essas matas fazem aos rios. Não dá para entender este país. Deveríamos dar o exemplo. Não interessa se os "países desenvolvidos" desmataram todas as suas reservas. Hoje eles tentam recuperar. E nós queremos acabar com o que temos ainda preservado. Em troca do que?

domingo, 28 de março de 2010

O reflorestamento necessário




A importância das florestas na manutenção do Planeta Terra é inegável. Não estou falando nem do seqüestro de carbono que elas realizam diariamente - importância recentemente questionada devido ao fracasso da COP-15, em 2009, e aos esforços da maioria dos países em manter a poluição nos níveis atuais, devido a um medo injustificado de "não se desenvolverem mais" (como se para se desenvolverem precisassem apenas poluir - mas esta discussão fica para outro artigo).

O que quero ressaltar aqui, dentre muitas outras vantagens, é que as florestas, de uma maneira geral, realizam diversos "serviços", muitas vezes imperceptíveis, mas importantíssimos à segurança e manutenção da vida na Terra. Para citar alguns exemplos : controlam a erosão e a perda dos solos (principalmente em encostas); evitam a desertificação; mantém os níveis dos cursos d´água (não deixando que os rios nem sequem e também não extrapolem seus níveis, o que causa inundações); controlam pragar urbanas e na agricultura (através da manutenção da biodiversidade e do equilíbrio ecológico); melhoram o microclima (evitando aquecimentos e tempestades extremas, como é comum acontecer na área mais impermeabilizada da Grande São Paulo, por exemplo) e até mesmo protegem populações contra ventos fortes, criando barreiras naturais contra eles. Além destas, muitas outras vantagens podem ser enumeradas aqui. Como podemos reparar, a purificação do ar, através da retirada dos gases tóxicos, nem mesmo fora mencionada (apesar de ser uma destas vantagens).

Já vê-se diversos efeitos desta superexploração na mais diferentes regiões do Planeta. Recentemente tempestades de areia praticamente apagaram Pequim da visão de seus habitantes. Tal areia é proveniente de desertos bastante distantes desta grande metrópole chinesa. O fato é que tais desertos vêm aumentando ao longo das décadas, devido à destruição de praticamente todas as florestas nativas chinesas, seja para expansão agrícola ou industrial. A ausência dos ecossistemas tem aumentado as regiões arenosas consistentemente. Da mesma forma as Filipinas arrasou com suas florestas nativas e hoje sofre com inundações sem solução. E não precisamos ir longe, para ver que a tragédia catarinense de 2008, com as chuvas acima do normal, foi agravada devido à ocupação desordenada de encostas e beiras de rios, outrora ocupados pela mata-atlântica nativa, a qual continha a terra. Da mesma forma a alta taxa de impermeabilização e ausência de verde na Grande São Paulo causou mais de 40 dias de inundações somente nesta ano de 2010 (sem contar os outros anos). E os exemplos não parariam por aí...

Infelizmente a humanidade quase nunca considerou tais vantagens na hora de explorar as florestas. Apenas o valor econômico imediato da madeira e do uso posterior do solo fora considerado ao longo dos séculos. E deu-se uma exploração desmedida dos recursos florestais, em muitos lugares levando-os à exaustão. A verdade é que o ganho com a exploração de madeira é efêmero, imediatista. Pode-se ganhar muito em pouco tempo, mas a mentalidade de "terra arrasada" não deixa nada a ser feito depois. Uma exploração sustentada, através de selos certificadores como FSC ou CERFLOR, para citar alguns exemplos, é o início. Através destes, garante-se que as árvores foram manejadas de forma a manter a floresta em pé e evitar extinção em massa de espécimes (sem contar, também, a questão social que envolvem). Mas ainda há muito a ser feito. No Brasil é uma ínfima porcentagem das florestas que são exploradas corretamente.

Além disso, apenas 3% das florestas mundiais são plantadas, perfazendo menos de 10% da produção madeireira (dados de 2000), mostrando que ainda consumimos - e muito - madeiras exploradas ilegalmente, de florestas nativas; seja na construção civil, nos móveis ou até em forma de combustível (lenha). O reflorestamento, principalmente no Brasil, serve à indústria de papel e celulose e também à mobiliária (placas de madeira). No entanto, tal reflorestamento baseia-se em espécies não-nativas (como pinus e eucalipto) e é necessário averiguar a quantidade de florestas nativas que estão sendo substituídas pelas invasoras. Claro, esta atividade atenua a pressão sobre florestas nativas. Só que não podemos nos basear somente nelas.

A floresta, como um sistema equilibrado de fauna, flora, água, ar e outros elementos, deve servir de exemplo para diversas atividades humanas. Não podemos ter predominância de uma só espécie. Como nas florestas, o plantio consorciado de diversas espécies (nativas e não-nativas) leva a um equilíbrio maior. Pode-se não ter a produtividade de amplas áreas cultivadas apenas com eucaliptos, onde tem-se uniforimidade de toras, facilitando a exploração rápida. Estas áreas são "desertos verdes", pois nem insetos vivem nelas. Por que, então, na consorciar o próprio eucalipto com espécies brasileiras? É perfeitamente possível e teria-se até outros tipos de madeiras, bem como permitiria a vida de animais dentre elas. Isto é apenas uma idéia, para termos a eficácia florestal implantada, trazendo seus serviços ambientais. Extrapolando um pouco, a agrofloresta seria, ainda uma ampliação das atividades de tais locais, produzindo-se alimentos orgânicos de forma consorciada com as árvores.

Enfim, até mesmo o reflorestamento visando a não-exploração é extremamente vantajoso para a população em geral. Como já mencionado, controlar a vazão dos rios e prevenir deslizamentos de enconstas é importantíssimo. Em diversos países têm-se casos de reflorestamento muito bem sucedidos. A região da Nova Inglaterra, sudeste dos Estados Unidos, onde a colonização americana teve início, bastante montanhosa, foi reflorestada já durante o século XIX, à medida que a agricultura era expandida para o oeste do país. O leste europeu, outrora degradado pelo regime comunista soviético, passa por processo de reflorestamento até pelo abandono das terras agrícolas após a abertura política de 1990, quando a população saiu em busca de novas oportunidades em outros locais. A Coréia do Sul, empobrecida e arrasada pela guerra dos anos 50, o que a levou a fazer uso de quase todos os seus recursos florestais, passou por amplo programa de reflorestamento - principalmente das encostas - nas últimas 5 décadas (isso aliado a amplo programa educacional e de desenvolvimento industrial de alta tecnologia). Tal programa já têm seus efeitos positivos: enquanto a pobre e comunista Coréia do Norte ainda sofre com inundações pela ausência de florestas, o país do sul vê este problema como algo longínquo. Outros programas semelhantes ocorrem na Turquia (país também montanhoso e que destruiu suas florestas de carvalhos ao longo de séculos) e até na China, onde uma "grande muralha verde" de 4.480 Km é plantada para conter o avanço dos desertos.

Tais reflorestamentos nunca irão recompor a variedade de espécies originalmente existentes em suas áreas. Mas trazem, de qualquer forma, muitos serviços gratuitos, deixando o ambiente muito melhor do que se estiverem com a "terra nua". O Brasil não tem esta mentalidade. Em diversos estados de nossa federação vê-se áreas abandonadas, desprovidas de agricultura e de florestas. Talvez isso venha da mentalidade brasileira de que "mato é atraso". Arrasa-se a terra e abandona. Um exemplo claro desta atitude é a região do Vale do Paraíba, localizada entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Tal região já foi a de maior expansão agrícola, desde o período colonial até o início do século XX, devido ao café, que já foi o maior produto de exportação brasileiro. Plantou-se café sem limites, em todos os morros e vales da região, arrasando com a biodiversidade local. Após a crise de 1929 e também com o esgotamento da terra, tudo foi abandonado e até hoje o Vale do Paraíba, embora tenha tido grande desenvolvimento industrial na segunda metade do século XX, manteve seus morros secos, cheios de erosões e com não mais do que capim crescendo neles. Uma tristeza, verdadeira terra arrasada. O plantio de florestas deveria ser incentivado em regiões como esta, aumentando a biodiversidade, melhorando os indicadores ecológicos e a paisagem de uma maneira geral. Mas nada se faz... E a Amazônia está indo para o mesmo caminho. Em grande parte do Pará já não há mais florestas, apenas terra arrasada. O que se ganha com isso?

Um amplo programa de reflorestamento no mundo todo poderia ser coordenado por entidades como Banco Mundial ou FAO. Incentivaria-se globalmente e atuaria-se localmente, com estados, prefeituras, empresas, etc. Atuaria-se tanto visando a produção quanto a preservação. O mundo ficaria mais verde e mais sustentável. Os "créditos de carbono" poderiam ser um incentivo. Mas não o único. As florestas sustentam muito mais que isto. E todos ganham com elas.

FONTE DE PESQUISA (dados): Brown, Lester R. - "Éco-Économie" (Editora Seuil)

quarta-feira, 10 de março de 2010

A incorporação da sustentabilidade no dia-a-dia

Alguns classificam como um modismo, outros a usam como marketing, muitos questionam sua real aplicação e seus efeitos; mas a verdade é que a palavra “sustentabilidade” precisa ser considerada em nossas vidas pessoais e profissionais, no contexto do mundo atual, em que é mais que provado o fato da ação humana transformar, de forma significativa, o funcionamento da vida na Terra.

Por mais que os efeitos da ação humana nas mudanças climáticas estejam sendo questionados e o IPCC (Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas) esteja desmoralizado até pelo fracasso da COP-15 em 2009, a verdade é que todos corremos grandes riscos se não fizermos nada para ao menos parar ou reverter o processo de aquecimento global causado pela ação humana. O contexto não é apenas global, mas muitas vezes localizado, como é o caso dos mais de 48 dias de chuvas intensas, causando inundações e muita destruição em São Paulo neste início de ano. O microclima da metrópole, influenciado não só pelas condições atmosféricas, mas também pela ampla área impermeabilizada por concreto e asfalto, a ausência de áreas verdes, as construções irregulares em encostas, a diminuição das áreas dos cursos d´água e diversos outros fatores que, aliados à poluição, aumentam, e muito, a intensidade das chuvas; além de dificultarem seu escoamento. Este é apenas um dos inúmeros exemplos localizados que acontecem mundo afora, mas que afetam diretamente a vida de milhões de pessoas. Os prejuízos são incalculáveis a muitas famílias e empresas, o que nos leva a concluir que preservar o meio-ambiente também faz bem ao bolso!

A falta de planejamento muitas vezes nos causa tantos transtornos atuais. O desenvolvimento a qualquer custo, tão em voga nos anos 60 e 70, hoje já não se aplica, pois percebe-se nitidamente o rápido esgotamento de diversos recursos naturais. Precisaríamos de 3 a 4 “Planetas Terra” se todos os habitantes do globo tivessem o mesmo nível de vida (insustentável) de um norte americano. Esta é, afinal de contas, a aspiração de muitos. Com toda razão, temos que progredir materialmente. Como conciliar isto com a sustentabilidade?
Acontece que muitas pessoas têm a visão de que ser sustentável significa sacrifícios imensos à vida de cada um e ao trabalho. Privação de conforto, etc. E não é o caso. Muitas vezes pequenas atitudes fazem a diferença, além de até melhorar a vida do cidadão e do planeta de um modo geral. Além de tudo, quando incorporadas ao dia-a-dia, elas passam a ser “automáticas”, passando-se até de forma quase despercebida. Exemplos que não custam muito não faltam, tais como a separação do lixo para reciclagem, a economia de energia (desligamento e troca de lâmpadas por mais econômicas), a manutenção de áreas verdes permeáveis nas propriedades rurais e urbanas e mais uma infinidade de pequenas atitudes que qualquer família ou empresa pode tomar. Isso sem contar todos os processos que podem ser melhorados dentro de uma empresa e que muitas vezes geram economia a ela. A geração renovável de parte da energia numa indústria, só para citar um exemplo (a partir de resíduos, solar ou eólica, dependendo da disponibilidade) ou mesmo a venda desses resíduos para recicladoras desafogam o caixa no final das contas. Além de reduzirem seu impacto global, geram recursos ou, no mínimo, economia financeira. A contrapartida do Estado, com políticas que fomentem a sustentabilidade em setores como energia, transportes, indústria, agricultura, etc. é fundamental. Tais atividades benéficas devem ser incentivadas. E nós devemos cobrar nossos governantes.

Estes são sinais de uma nova economia que está se descortinando. Um novo capitalismo que devemos aplicar como fator de transformação, em busca de uma “eco economia”. Uma economia que pense de forma cíclica, e não linear como sempre pensou-se até bem pouco tempo atrás. Ao invés de pensarmos no processo produtivo começando na matéria prima e terminando no lixo, temos que pensar no destino deste resíduo não como o final do processo, mas colocando-o num ciclo infinito. Isto não é nenhuma novidade, pois a natureza sempre agiu desta maneira. E nós todos, como sendo parte dela, por que não pensarmos desta forma, em tudo? Tudo se transforma, nada se perde. Tudo o que queimamos, processamos ou mesmo jogamos fora continua aqui, nesta esfera onde habitamos. Por que, então, não gerenciarmos todos estes recursos de uma forma mais racional, para que nossas gerações possam habitar este lugar de forma mais saudável, ainda por muito tempo?

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Folia de Reis no Janeiro mais chuvoso da história



O título deste texto remete ao festejo católico, de origem portuguesa e incorporado ao folclore brasileiro, conhecido como "Folia de Reis" e comemorado no início de janeiro. Mas não me refiro aqui à visita dos três "reis magos" ao menino Jesus recém-nascido, acontecimento que inspirou a festa popular, ainda realizada em algumas cidades brasileiras.

A "folia de reis" a que nos referimos é a folia perpetrada por séculos pelos supostos "reis do Brasil" - os que nos governam, aliados a empresários e movimentos sociais inescrupulosos - os quais em conluio sempre enganaram o povo e devastaram a natureza em nome deste. Tal folia, aliada às mudanças climáticas começa a mostrar suas conseqüências. Só não vê quem não quer.

Coincidentemente ao título da tal festa popular, a cidade de Angra dos Reis - uma das mais antigas do Brasil - supostamente descoberta pelo navegador português André Gonçalves no "Dia de Reis", 06 de Janeiro de 1502 (daí surgiu o seu nome) - foi castigada no reveillon de 2009 para 2010 por uma terrível chuva acima da média, a qual fez diversas encostas deslizarem, matando e desabrigando dezenas de famílias e até mesmo turistas, como foi o caso da Pousada Sankai, na Ilha Grande (conforme a segunda foto acima). Várias estradas foram interrompidas por deslizamentos de terra, dificultando ainda mais o acesso a diversoso lugares. Agora o que se questiona é por que permitiu-se que este volume de construções irregulares - tanto de ricos quanto de pobres, diga-se de passagem - ocupasse as mais diversas áreas montanhosas, as quais deveriam conter apenas a floresta atlântica original, que é o único meio de preservar a integridade das montanhas. Corta-se a base da montanha, desestabiliza-se a parte de cima, que em muitos casos também é utilizada para construir imóveis. O volume de chuvas está acima do normal nos últimos tempos, com isso a terra fica saturada de água, não encontrando sustentação.. e está aí a receita simples para tantos desabamentos.

Aí é que está a "folia". E o pior: não é um problema isolado, restrito apenas a Angra dos Reis e ao estado do Rio de Janeiro. Acostumou-se ao "jeitinho brasileiro", em que as populações invadem terras supostamente "sem dono", muitas vezes incentivadas por falsos corretores imobiliários, que vendem o que não é deles, aliados a líderes religiosos que manipulam a população pobre e ignorante. Tudo isso às vistas das autoridades, que deveriam zelar por estas áreas mas se omitem (muitas vezes em troca propinas) e a receita se completa. Muitos candidatos a cargos públicos aproveitam-se de tal precariedade para falarem em "nome do povo" em troca de votos (mas na hora de uma tragédia como esta nunca aparecem).

A falta de qualquer critério técnico para corte e aterro de encostas, construções precárias, em terrenos ruins, aí tudo vem abaixo. Mortes e prejuízos são computados, e a culpa é de quem? Eu diria que de todos estes agentes envolvidos. O governo pela omissão, o povo pela falta de consciência, os exploradores do povo, que enriquecem às custas desta miséria.. todos são culpados. É uma verdadeira "folia". De "reis" e "súditos". E tal folia ocorre nos subúrbios das grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro. E sempre da mesma forma. Sempre sobre áreas de preservação ambiental. Além do que, usa-se o mesmo tipo de "esquema" para construir tanto favelas paupérrimas quanto mansões cinematográficas de empresários e atores de novela. Diversos deles têm casas na "paradisíaca" Angra dos Reis. Inclusive o "rei" governador do Rio de Janeiro, que demorou mais de cinco dias para sequer comentar o ocorrido no reveillon. Mas a maioria destas escandalosas mansões estão tão ilegais quanto o mais simplório barraco. Compra-se ilhas sem que nenhuma autoridade ambiental reclame.

Angra dos Reis tem uma posição geográfica complicadíssima - diga-se de passagem - e corre outros riscos, além destes desabamentos. Uma usina nuclear está instalada ali (em nome do "desenvolvimento"), obra que também trouxe imensas hordas populacionais desde os anos 70. Tal usina repousa sobre num terreno denominado "itaorna", que no conhecimento indígena significa "pedra podre". Mas a sabedoria indígena em nada foi considerada pelos militares desenvolvimentistas (e o desgoverno lulla atual segue a mesma linha, pois quer construir mais usinas destas não só ali, como em outros locais). A questão é que, no caso de um acidente nuclear, a população das imediações praticamente não tem rotas de fuga adequadas. A BR-101 (Rodovia Rio Santos) não passa de um "caminho" de pista única, que mal consegue dar vazão ao fluxo de turistas no verão e que, construída às pressas nos anos 70 e sem considerar o relevo da Serra do Mar, possui centenas de pontos de deslizamento de terra, que impedem freqüentemente seu trânsito, como inclusive ocorreu neste janeiro de 2010. Por isso, falta de planejamento e obras que desconsideram a natureza não é um problema de hoje. É um problema estrutural brasileiro.


São Luiz do Paraitinga, SP
No mesmo princípio deste janeiro, a mesma chuva vitimou uma das mais belas cidades do estado de São Paulo, que não fica muito longe do litoral fluminense: a histórica São Luiz do Paraitinga, localizada no Vale do Paraíba. Como vemos na primeira foto, a outrora mais preservada arquitetura colonial do interior de São Paulo foi dizimada pelas águas. Mais de 70 casarões - incluindo duas belíssimas igrejas - sucumbiram à força da tempestade. Centenas de desabrigados e um patrimônio cultural incalculável foram os saldos desta tragédia.

É sabido que o Vale do Paraíba, que foi uma das primeiras regiões cafeeiras do Brasil, já no século XIX, teve praticamente todas as suas florestas suprimidas. Sendo uma região montanhosa também, isso fez com que um volume de água acima da média trazido pelas chuvas escorresse muito rapidamente para a várzea do Rio Paraitinga (também quase todo assoreado e sem mata ciliar), onde a cidade se encontra. O processo - muito bem descrito pelo Professor Aziz Nacib Ab’Sáber (que inclusive é nativo de São Luiz) no suplemento Aliás, do Estadão de 9 de janeiro - demonstra o quanto a preservação da mata nativa faz falta para todos nós. Isso tudo vem nos demonstrar na prática o quanto a reserva legal é fundamental tanto para propriedades rurais quanto para áreas urbanas! E ainda existe um movimento dos ruralistas, liderado até por canais de TV, para afrouxar essas leis! Enquanto isso muita gente morre e fica desabrigada em função da degradação ambiental. Até quando?

Ainda falando nos tais "reis", nosso rei-maior, o lulla, nem dignou-se a comparecer nem a Angra dos Reis ou São Luiz do Paraitinga, no início de janeiro. Nem sequer mandou alguma missão oficial federal, como tem feito no Haiti, que não sofreu tragédia menor - bem sabemos - com os terremotos (inclusive cogita-se de nosso próprio presidente ir ao Haiti posar de "salvador do povo" por lá). Por aí mostra-se o imenso descaso desde atual (des)governo federal com nosso próprio país, com nosso próprio patrimônio ambiental, cultural e humano. E isto parece que ninguém repara.

São Paulo, SP
Não podemos nos esquecer que este janeiro tem sido o mais chuvoso de todos os tempos na região metropolitana de São Paulo. Até o dia de hoje (29/01/2010) já são contados 38 dias de chuvas quase ininterruptas sobre a capital paulista e região. Há bairros que, durante este período, sequer tiveram as águas de suas ruas esvaziadas. Assemelham-se a rios perenes, como é visto na região do Jardim Pantanal, extremo leste de São Paulo e área inundável da várzea do Rio Tietê. As próprias avenidas Marginais do Rio Tietê há anos não viam enchentes. Coincidência ou não, desde que as obras de ampliação das pistas começaram, já houve mais de 3 alagamentos fortíssimos do ano passado para cá.

São Paulo sofre as conseqüências visíveis do aquecimento global, com aumento de chuvas acima da média, e também com a degradação total do ecossistema do sítio onde a cidade está assentada. São diversos cursos d´água aterrados, impermeabilizados, desviados, enfim, tudo o que não se pode fazer com os rios. Excesso de lixo, devido à falta de educação da população, entupindo bueiros, tubulações, galerias e cursos d´água. Construções sem limites, por toda parte, inclusive em encostas e beiras de represas e rios. Com isso já são 25.000 desabrigados em todo o estado de SP, mais de 65 mortos até agora. E prejuízos a toda a população, que tenta trabalhar e não consegue se deslocar a tempo, muitos nem podem dormir, por não saberem a que horas as águas vão cobrir ou levar tudo.

Tudo isso nos mostra que prevenir as tragédias é muito mais barato que consertá-la. As vidas perdidas ninguém vai trazer de volta às famílias. Já as cidades destruídas, não se sabe quanto custará para resconstruí-las. Mas a questão nem e quanto, mas COMO reconstruir. Estamos construindo errado e em lugares errados. Se isso continuar, o problema só vai se agravar. Mas nossos políticos, sempre preocupados com a "farra" de seus ganhos com tudo isso, não colocam a preservação ambiental como prioridade. No Brasil o que dá voto são estradas, usinas, aterramento de rios, regularização de favelas... tudo o que não precisamos. Com tudo isso as águas continuarão cobrindo tudo... e inviabilizando a vida humana.

Novamente perguntamos: estará a vida humana na terra sendo inviabilizada?