quinta-feira, 30 de setembro de 2010

ICMS Ecológico e RPPN : incentivos à preservação




Muitas vezes somos levados a pensar que no Brasil não há incentivos à preservação de nossos recursos naturais. De fato ainda estamos engatinhando em relação a muitos países, porém existem alguns mecanismos que, talvez por serem pouco divulgados, acabam nos levando a pensar que só há incentivos para os que destroem as matas, poluem as águas, etc.

O principal imbróglio a resolver é que quando há degradação ambiental, poucos são beneficiados. Um pequeno grupo lucra com a atividade predatória, seja ela qual for, enquanto toda a sociedade paga um alto preço por isso. É a política "terra arrasada", tão conhecida até hoje na Amazônia e que arrasou, em outros tempos, nossa Mata-Atlântica e muitas outras áreas. Um pequeno grupo de madeireiros e agricultores se beneficia financeiramente, deixando um rastro de destruição, pobreza, a população desamparada e sem acesso à água ou terra de qualidade. É um sistema em que a maioria perde. Principalmente as próximas gerações.

Talvez o excesso de burocracia também contribua para que muitos não se encorajem a legalmente preservar o meio-ambiente (e até serem remunerados por isso). A verdade é que - ainda bem - são previsto em lei alguns mecanismos incentivadores da preservação ambiental. Ainda que tímidos e não implantados em todo o território nacional, acho interessante comentá-los para fomentar o debate e incentivar mais pessoas a utilizá-los.


ICMS Ecológico

Não se trata propriamente de um novo imposto, mas sim do remanejamento de um já existente - o conhecido Imposto sobre Circulação de Produtos e Serviços (ICMS), principal fonte de renda dos Estados da federação. Segundo LOUREIRO (2008), "o ICMS Ecológico é um instrumento que aproveita a oportunidade criada pelo federalismo fiscal brasileiro, qual seja o do repasse de recursos financeiros a entes federados, sem que a instituição que recebe tais recursos perca sua autonomia político-administrativa. Essa oportunidade se ancora no disposto no inciso II, do artigo 158 da Constituição Federal, que define aos Estados poder de legislar sobre até ¼ do percentual a que os municípios têm direito de receber do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços(ICMS)."

O primeiro Estado da federação a implantar o ICMS Ecológico foi o Paraná, em 1991. Hoje, mais de uma dezena de Estados brasileiros utiliza o mecanismo com maior ou menor intensidade (e muitos ainda discutem sua implantação), envolvendo o repasse de, aproximadamente, R$ 600 milhões/ano para os municípios que abrigam Unidades de Conservação ou se beneficiam com outros critérios ambientais. A inicitiva paranaense iniciou-se devido ao "engessamento" que muito municípios sofriam, por estarem localizados dentro de grandes áreas protegidas. A introdução do conceito protetor-beneficiário, como forma de modernização das políticas ambientais, veio de encontro com tal impasse, beneficiando a todos.

São inegáveis os serviços ambientais (supostamente "gratuitos") que a natureza presta a toda a sociedade, mas demorou-se muito para que isto fosse percebido. Na economia convencional (vigente na cabeça de muitas pessoas até hoje), a natureza servia-se apenas como fonte de recursos (que pensavam-se inesgotáveis) e depositária de resíduos. Com a grave situação mundial que vivemos, percebe-se que a capacidade da natureza de repor estas matérias-primas e de absorver todos os resíduos é extremamente limitada. Então, por quê não pagar pelos serviços que a floresta presta quando intacta, inexplorada, preservada? Aí que reside o princípio do "protetor-beneficiário", diferente do "poluidor-pagador" - também válido, porém mais punitivo e que só é aplicado após a degradação ter sido feita. Introduz-se o mecanismo da prevenção, o qual até em nossa saúde pessoal é a melhor decisão a tomar, pois economiza-se com gastos futuros na cura dos problemas já causados. Prevenindo-se a destruição da natureza, garante-se qualidade de vida às futuras gerações (e até as atuais).

O ICMS Ecológico pode ser repassado aos municípios tanto nos casos de proteção à biodiversidade quanto aos mananciais de abastecimento de água. Dentre os casos contemplados, inclui-se Unidades de Conservação, Áreas de Terras Indígenas, Faxinais, Áreas de Preservação Permanente e Reserva Florestal Legal. É inegável a necessidade de parceria do Estado com os municípios e destes com os proprietários de terras particulares passíveis de serem Unidades de Conservação, na modalidade RPPN (Reservas Particulares do Patrimônio Natural). Isso faz com que toda a sociedade seja envolvida, pois não são apenas as reservas federais, estaduais e municipais que contam. Incentiva-se o proprietário rural a ser "produtor de água" ou "protetor da biodiversidade", o que traz resultados positivos até mesmo em sua produção rural local. No próximo tópico comentaremos um pouco sobre as RPPNs.

A boa conservação da biodiversidade aumenta o repasse. Através de critérios de cálculos qualitativos, o repasse de ICMS Ecológico aumenta quanto mais preservada estiver a Unidade de Conservação. É como se a área beneficiada aumentasse quanto mais conservada estiver. Tais avaliações periódicas devem ser feitas pela autoridade ambiental local, que no caso do Paraná é o IAP (Instituto Ambiental do Paraná), em São Paulo é a CETESB, etc. Tal incentivo fez com que entre 1992 e 2000, no Paraná, houvesse um incremento de 1.894,94 por cento em superfície de das unidades de conservação municipais, de 681,03 por cento nas unidades de conservação estaduais, 30,50 por cento nas unidades de conservação federais e terras indígenas e de 100 por cento em relação as RPPN estaduais. Houve ainda melhoria na qualidade da conservação dos parques municipais, estaduais e das RPPNs, segundo LOUREIRO. É uma prova de que este sistema funciona e não onera o estado, pois apenas remaneja recursos já previstos.

Iniciativas semelhantes já ocorrem em São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rondônia e outros estados brasileiros.

RPPN
A Reserva Particular do Patrimônio Natural é uma figura prevista no inciso VII, do art. 14 da Lei Federal n.º 9.985/00, Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), do Grupo de Unidades de Uso Sustentável, que, a grosso modo, incentiva a iniciativa voluntária de proprietários rurais ou urbanos na preservação ambiental.

Propondo vantagens como a isenção de imposto sobre a propriedade (ITR ou IPTU), desde que seus recursos naturais estejam intactos, bem preservados, até a possibilidade de beneficiarem-se do ICMS Ecológico, o mecanismo da RPPN permite aumentar as Unidades de Conservação sem que o Estado tenha os ônus com desapropriações, investimentos, etc. Claro que cabe ao Poder Público a fiscalização do cumprimento das metas de conservação e plano de manejo em tais áreas - fundamentais à titulação delas como RPPN.

Não deve-se buscar apenas as vantagens econômicas nesta iniciativa particular. Claro que elas são grandes incentivadoras e deveriam ser ampliadas. Mas conta-se muito com a conscientização e o associativismo dos proprietários rurais, visando inclusive melhorar e garantir seu abastecimento de água e suas terras férteis ad aeternun, através da preservação das florestas, as quais formam verdadeiros "corredores ecológicos" integrando a fauna e a flora (daí o papel do Estado como incentivador, planejador e fiscalizador, ao congregar diferentes proprietários dentro do preservacionismo ambiental). Não podemos mencionar também o valor da paisagem cênica, tanto para o turismo quanto para a cultura local. Este aspecto é pouquíssimo valorizado no Brasil – um dos países que seguramente possui as mais belas paisagens do Planeta. O mecanismo da RPPN é fantástico sob todos estes pontos de vista e em Estados como Paraná e São Paulo aumenta cada vez mais a adesão a ele.

A titulação da reserva florestal como RPPN é perpétua, demonstrando o caráter de legar essas áreas às próximas gerações. Existem casos - como a RPPN administrada pela ONG SPVS em Guaraqueçaba (PR) - em que aportes financeiros da iniciativa privada permitem que atividades de pesquisa, fiscalização, monitoramento, educação ambiental, turismo rural, etc. integrem-se à RPPN, gerando empregos e tornando-a útil e melhor conservada durante todo o tempo. São modelos a serem copiados e ampliados. Todo o planeta e toda a sociedade ganham com isso.

Para que mecanismos como os dois descritos acima ampliem sua abrangência ainda há um longo caminho a percorrermos. Os Estados precisam diminuir a burocracia e aumentar a eficiência em credenciarem essas áreas, bem como fazerem melhor divulgação para que a população e as empresas SAIBAM que podem ganhar, sendo parceiros da preservação ambiental. É um bom começo e torcemos para que estes caminhos se abram cada vez mais, pois punir os agentes após a destruição ter-se consumado é necessário, mas não é a única solução. Prevenir ainda é o melhor remédio!


FONTES: LOUREIRO, Wilson ICMS Ecológico, uma experiência brasileiro de pagamento por serviços ambientais - SOS Mata Atlântica/The Nature Conservancy - Belo Horizonte, 2008

LOUREIRO, Wilson ICMS Ecológico - A consolidação de uma experiência brasileira de incentivo a Conservação da Biodiversidade , Disponível em http://ambientes.ambientebrasil.com.br/unidades_de_conservacao/artigos_ucs/icms_ecologico_-_a_consolidacao_de_uma_experiencia_brasileira_de_incentivo_a_conservacao_da_biodiversidade.html

ESTATUTO ESTADUAL DE APOIO À CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE EM TERRAS PRIVADAS NO ESTADO DO PARANÁ